AREIASUL: outubro 2010

O PROGRESSO
Montenegro, 5ª feira, 7 de junho de 1923

HORRIVEL SINISTRO
EM CONSEQUENCIA DUMA EXPLOSÃO NA CALDEIRA, NAUFRAGA O VAPOR “HORISONTE” - MORREM 12 PESSOAS E FICAM FERIDAS 6.

Um desastre verdadeiramente horrivel, registrou-se hontem, ás 3 da madrugada, na navegação do rio Cahy, occasionando numerosas victimas.
Aquella hora o vapor “Horisonte”, de propriedade da firma Kayser e Erig, com sede em São Sebastião do Cahy e que ia em viagem para Porto Alegre conduzindo passageiros e carga, naufragou em consequencia da explosão da caldeira.
O desastre, que ocorreu quando aquelle vapor, rebocando duas chatas, entrava na volta do Montenegro, assumiu proporções horrivelmente tragicas.
Com a violencia da tremenda explosão, ficaram reduzidos a fragmentos, sendo arremessados a grande distancia, as cabines do pratico e commandante, camarotes lateraes, caixas de roda, chaminé, mastro, parte da tolda que se achava sobre a caldeira, submergindo-se o vapor dentro de poucos minutos.
É facil de imaginar-se o quadro lancinante que então se desenrolou entre passageiros, que faziam parte senhoras e creanças, muitos dos quaes se achava dormindo quando foram surprehendidos pelo fragor da explosão. Alguns, mais arrojados, lançaram-se á agua, emquanto outros clamavam desesperadamente por socorro, clamores esses que foram cessando a proporção que o vapor desapparecia sob as aguas.
Attrahidos pela formidavel explosão e gritos de soccorro, os srs. T. L. dos Santos e Balduino Schuster, que residem nas immediações do local, em cahiques, accudiram, conseguindo salvar diversas pessoas, recolhendo-as ás suas residencias.
Os irmãos João e Carlos Augustin Filho que tambem residem nas immediações do loocal, conduziram, solicitamente, os sobreviventes para as suas residencias agasalhando-os com carinho.
O sr. Schuster salvou, ainda á ultima hora, duas senhoras, dd. Christina Künzel, esposa do sr. Reynaldo Künzel e Maria Hilaria Pereira, as quaes achavam-se fechadas na camarinha, com agua já pelo pescoço.
A primeira daquellas senhoras agarrara-se com um filhinho de 10 annos, de nome Mario, que viajava comsigo, mas no momento de ser retirada pela janella do vapor, desprendeu-se da creança morrendo esta afogada. O sr Schuster, tentou ainda salvar o menino, não conseguindo devido o vapor ja estar submerso.
Attribue-se a causa do sinistro ao entupimento do tubo da caldeira por onde se verifica a quantidade de agua existente.
Supõe-se que o machinista ao verificar o referido tubo deu se a desobstrução penetrando agua fria na caldeira secca, produzindo-se a horrível explosão que occasionou o sinistro que comoveu a população desta cidade.
As consequencias da explosão foram horriveis - o commandante que dormia em seu camarote, ao dar accordo de si, encontrava-se cahido sobre fardos de alfafa acondiccionados em uma lancha que ia a reboque, sem saber como ali fora ter; o pratico estava a margem direita do rio Cahy, sem sentidos, sendo este, dos feridos, o que se encontra em peor estado, devido ao forte choque traumatico recebido.
Logo que o facto chegou ao conhecimento das auctoridades de Montenegho, para o local seguiu o coronel Affonso Aurélio Porto, intendente municipal subintendente major Coriolano Coelho de Souza, acompanhado de praças da guarda municipal, medicos e diversas pessoas gradas desta cidade que ali estiveram ate o cahir da tarde prestando auxílio aos naufragos. Mais tarde seguiram para o local do desastre grande numero de pessoas que se entregaram ao penoso trabalho de pesquizas para encontrar as victimas do terrivel acidente que enlutou tantas e tão distinctas familias desta localidade.
O celebre mergulhador, Frederico Peres, aqui residente, depois de mergulhar diversas vezes, conseguiu arrancar de dentro da cabine das senhoras o corpo morto do infeliz menino Mário, filho do sr. Reynaldo Künzel, de dez annos de idade que morrera ao procurar salvar-se com sua desditosa mãe. O cadaver da infeliz creança foi conduzido para Parecy, onde residem seus Paes, afim de ali realisar-se seu sepultamento.
Ao cahir da tarde foi encontrado, numa distancia de 150 metros do local onde afundou o vapor, o cadáver de Marcolino Rosendo com o rosto e o craneo deformado e que, com a violência da explosão, fora levado aquella distancia, pelo ar, deixando nos galhos de um alto angico, residuos de massa encephalica.
No alto de outra arvore via-se pedaços de tapete, um casaco de homem e um cinto tambem de homem.
Numa grande extensão em ambas as margens do rio se vê destroços de fazendas, roupas, mercadorias, madeiras, etc., tudo pertencente ao vapor afundado.
Ás 8 horas da manhã de hontem partiu daqui o vapor , da empreza Simeone & Cia. Que, como dissemos, pelas providencias do coronel Aurelio Porto conjugadas com as das demais pessoas que se acham no local do sinistro, recolheram a seu bordo as victimas do naufragio, transportando-as para esta cidade, aonde foram attendidos pelos medicos drs. Capitão Alcides Leria, Chagas carvalho e Max Leipnitz que desveladamente prestaram os seus serviços profissionaes.
Do Cahy veio, mais tarde, o vapor , trazendo grande numero de pessoas daquella localidade, inclusive seu digno intendente dr. Alberto Barbosa e outras auctoridades cahyenses.
Depois de se demorar no sitio do sinistro, o regressou para o Cahy levando ao seu bordo todos os feridos, que foram acompanhados pelo dr. Chagas Carvalho.
As victimas do terrivel desastre chegaram aqui completamente molhadas e descalças, apresentando lastimável aspecto.

FERIDOS
Roberto Marx, commandante, apresentando extenso ferimento na região superciliar esquerda e no labio superior, alem de contusões na face e em diversas partes do corpo.
João Armando Ferreira, pratico, que apresentava a fractura na perna direita com arrancamento epidermico na região plopitea, ferimento contuso no lábio superior com lamação extensa; escoriação no queixo e em diversas partes do corpo devido ao violento choque traumático.
João Pedro Veeck, passageiro, apresentando extenso ferimento na região temporal posterior, quase decepando o pavilhão da orelha direita.
Athanagildo Silva, com queimaduras extensas de 2º grão na região lombo-illiaca; e, mais 2 lascas de madeira em forma de estrepe, na região do talão do pé direito, uma das quaes tinha 4 centimetros de comprimento.

MORTOS

Luiz Carlos Weber, commerciante na Varzea do Parecy, filho do sr. Nicolau Weber, genro do sr. Carlos Burmeister e irmão do sr. Emilio Weber, gerente da casa Jacob Noll, desta praça.
O inditoso moço, que deixa esposa e uma filhinha, era muito estimado nesta cidade, causando, por isso, funda consternação a sua morte.
José Arlindo de Oliveira, machinista, também era muito conhecido nesta cidade. Deixa 6 filhos na orphandade achando-se a sua esposa internada no Hospicio São Pedro.
Marcolino Rosendo, cujo corpo foi encontrado no interior do matto e distante 150 metros da margem do rio.
O menino Mario Künzel, a quem já nos referimos.
Foguistas Alberto Alves e Victorino Antonio da Silva.
Arthur Cabo Relho, José de Souza, João Bonifácio e Pedro Lisboa, tripulantes.

PESSOAS SALVAS
José Rodrigues, José Luiz Cardoso, João da Silva e Athanagildo Silva, tripulantes e os passageiros Thelmo Forneck, João Pedro Veeck, Henrique Weber, Nicolau Weber, Annita Oliveira, filha do machinista José Arlindo, Maria Eulália de Andrade, Athayde Silva Nunes, Manoel Pereira de Andrade e Christina Künzel, mãe da victima Mário Künzel, comandante Roberto Marx, dispenseiro João Welter e o pratico João Armando Ferreira, que, conforme acima dissemos, está gravemente ferido

DIVERSAS NOTAS
Praticou actos de verdadeira humanidade e heroísmo, o sr. Balduino Schuster que com o risco da propria vida, num pequeno cahique, salvou grande numero de náufragos, conduzindo-os, um a um até a margem do Cahy. Isto em plena escuridão e sob forte chuva que cahia na occasião.
Também o sr. Carlos Augustin prestou assignalados serviços na ocasião do sinistro soccorrendo as victimas e recolhendo, com Schuster, os sobreviventes a sua residência.
Como é natural, continua a consternação nesta cidade occasionada pelo terrivel acontecimento.

Durante o dia de hontem dos municípios circumvisinhos pessoas conhecidas procuravam colher informações por meio do telephone cujo centro, conservou-se em actividade até altas horas da noite, sendo merecedora de elogios a respectiva encarregada d. Olinda Lindermeyer, que, com solicitude, attendeu a todos os pedidos de ligação.

Os prejuízos da Kayser & Erig elevam-se a mais de setenta contos, visto que tanto o vapor como a carga não se achavam no seguro.
No grande incendio occorrido ultimamente em Porto Alegre, também foi destruído a agencia desta firma, dando regular prejuízo.
Ha mezes, abaixo da barragem Rio Branco no rio Cahy naufragou carregada a lancha , da mesma empresa, occasionando um prejuízo de mais de 10 contos de réis.

Os cadaveres das demais victimas até a hora em que escrevemos não tinham sido encontrados , achando-se ali o vapor com pessoal explorando o local.